sábado, 22 de março de 2008

O Ator

A história que vou narrar é verídica. É uma dessas histórias que raramente acontecem, mas que ocorreu com um amigo. O que você faria na situação? Confesso que se fosse comigo talvez tivesse tomado uma atitude diferente frente ao caso. Depois de refletir, decidi que agir sempre pelo primeiro impulso, pois nossos instintos expressam a nossa mais verdadeira natureza. Mas vamos então à história porque temos pressa de viver.
Era terça-feira, 4 de junho de 1998, dia avermelhado em São Augusto da serra no interior do Rio Grande do Sul. Naquele dia caía uma chuva fina e gelada que se estendeu até a madrugada fria de modo que parecia eterna. A viagem tinha sido longa, já era o segundo show do fim de semana e Beto estava cansado; não estava muito para festa nessa noite. A noite passada deixou o desconforto ácido do excesso de bebida e de expectativas. Hoje, portanto, deveria ser simples, sem tentativas frustradas, sem pessoas sem assunto, e todo e qualquer elemento que precisasse de grande esforço seria muito carregado. Os shows vinham bem, as casas quase sempre lotadas, e o cachê pago no ato, quase sempre em dinheiro, já dava para garantir uma vida bacana com alguns luxos. Era certo que essa noite não devia nada ao seu ego e à sua agilidade. Confortável seria uma cama, sozinho ou não... Tudo pronto, preparava sua saída com a mochila em punho e poucas preocupações no bolso. Erguia a pesada mão até tocar a mão da garota do caixa para pegar o cartão quando aquela linda voz docemente rouca soava perto o suficiente para quebrar a aspereza daquele lugar impregnado de cigarro, cerveja e histórias; dócil o bastante para dissuadi-lo do ralo caminho que o levaria ao sono profundo dentro do ônibus da banda.
“Ei”, era o monossílabo mais interessante que poderia ouvir naquela noite e, se você vier a conhecer a dona dele, vai ter de concordar com minha falta de palavras para descrever BELA. Beto estava pronto a dar qualquer fosse a informação que aquela linda garota-morena-olhos-brancos poderia querer dele, herói suburbano cheirando a cigarro e whisky com cafeína.
Diz ela: “é incrível como a gente não nota as pessoas às vezes. Não é?”
“É uma viagem”, responde.
“É verdade que você vai embora?”
“É, to um pouco cansado, sabe.”
“To um pouco bêbada”
Ele não tinha nada de especial, mas os homens sabem que sempre tem alguma chance, e que as mulheres dão mais importância para o espírito do que para o físico, e que, afinal de contas, ele não era tão feio assim. Quinze minutos de conversa, ela o convidou pra sair dali e ir comer algo.
Quando na saída, foram os dois direto para um carro cinza-escuro estacionado na frente do bar. O bip de desligar o alarme abriu também as portas e os dois entraram se agarrando no banco de trás de um Peugeot prata. As mãos dela eram incríveis e o corpo era como um parque de diversões. Passava a mão por baixo da blusa dela do baixo das costas até o pescoço e cabelos, fazendo com que ela respirasse forte perto de sua boca, e ela o beijava forte no pescoço cada vez que seus corpos tentavam contato maior do que a roupa permitia. Eles não deviam ficar ali, deviam ir para a casa dela, “mas antes vamos comer algo”, ela diz.
No caminho faziam conversas novas, ele contava os gostos musicais, ela vinha dizendo aos poucos como vê as pessoas, e no meio do assunto ela franze a testa e pergunta: “você é o Reinaldo não é?”.
“Como assim, sou o Beto”, responde ele.
Nesse ponto é que a gente se indaga! Passaria pela sua cabeça a palavra “sim”? Aqueles lindos olhos convidativos... Por que não viver esse personagem somente essa noite, diante daquela boca que o beijara e não se importaria em beijar muito mais se a resposta fosse sim. Caro leitor, só frente à tentação podemos dizer se somos fortes.
De qualquer forma, não era eu e não era você lá. Era Beto. Bela ligou para agradecer o cuidado e veio visitá-lo no fim de semana seguinte.


Autor: Calígula

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